Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se a porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso. Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre de Bengala, que encarou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como quem prepara um bote mortal. Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram, quais enormes gatos negros, duas panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachados e aumentando a tensão do ambiente.
Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos um pavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E neste momento, como que sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, do alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as quatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao seu cavaleiro adorador, falou, afetada:
"Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva."
O cavaleiro Delorges não respondeu nada e sem titubear, desceu rápido do balcão e com passos decididos pisou na arena, entre as fauces hiantes e as presas arreganhadas das quatro feras. Calmo e firme ele apanhou a luva, e sem olhar para trás e sem apressar o passo, voltou para o balcão, sob os sussurros de espanto e admiração de todo o público presente.
A donzela Cunegundes estendeu a mão num gesto faceiro para receber a luva e com um sorriso cheio de promessas, falou:
"Ganhaste a minha gratidão, cavaleiro Delorges."
Mas em vez de entregar-lhe a luva, o cavaleiro Delorges atirou-a no belo rosto da dama cruel e orgulhosa: "Dispenso a vossa gratidão, senhora!", ele disse.
E voltando-lhe as costas, o cavaleiro Delorges foi embora para sempre.
Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky
Ilustrado por Maria Eliana Delarissa
Desvende os segredos de um bom texto
Analisando os recursos utilizados porTatiana Belinky, você pode ensinar a turma a controlar melhor os efeitosque pretende causar nos leitores
Que texto bonito! É o que vem à cabeça do leitor que chega à última linha do conto de Tatiana Belinky. Que segredos tem um escritor para criar este efeito de magia? Serão poderes especiais conferidos a poucos privilegiados? Claro que não. Seguindo a proposta de aula elaborada por Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, é possível mostrar aos alunos os recursos da língua para criar efeitos e, assim, montar uma bela narrativa. E, na seqüência, convidá-los a criar, eles mesmos, uma história.
Comece pedindo à turma que imagine o que acontecerá num conto que tem como título A Luva. Dê tempo para que todos falem. Peça que observem as ilustrações, especialmente as cores e os traçados. Que sensação eles provocam? O ilustrador quis transmitir a idéia de leveza? De tempos antigos? As indagações são um exercício para que todos aprendam a ler imagens, uma competência importante, que deve ser desenvolvida desde cedo.
Depois, faça a leitura em voz alta, com expressividade, colocando entonação especial nas palavras. Esses momentos costumam ser mágicos, tanto para o professor quanto para os estudantes. Peça que eles também leiam, desta vez sozinhos, em silêncio, cada um saboreando as palavras a seu modo. Pergunte quem gostaria de ler, em voz alta, para todos os colegas, na aula seguinte. Enfatize que leitura em público exige preparação e ensaio.
Como próximo passo, analise com a classe as atitudes dos protagonistas, a donzela Cunegundes e o cavaleiro Delorges. Peça que opinem e justifiquem suas idéias, num exercício de argumentação. Pergunte que nome atribuiriam às atitudes da moça: orgulho, soberba, vaidade, tirania... Aproveite para discutir o comportamento humano. Lembre a turma que há um gênero literário que apresenta formas de conduta humana representadas por animais — a fábula —, e faça a seguinte pergunta: Cunegundes poderia ser comparada ao pavão da fábula "O Corvo e o Pavão" ?
Língua Portuguesa
Tema: Recursos da língua para produzir efeitos desejados Objetivo: Produzir um texto, fazendo escolhas lingüísticas intencionais
Como chegar lá: Ensina-se a ler e a escrever lendo e analisando bons textos
Dica: Tenha um acervo de bons textos, não só narrativos, como modelos para ensinar diferentes gêneros: notícias, poemas, cartas, editoriais, propagandas etc.
Faça com antecedência a leiturae análise do material que você vai levar aos alunos. Ponha-se no lugar deles. Assim, você sentirá mais segurança para orientar os passos da classe
A segunda parte da aula começa com a análise dos recursos da escrita empregados pela autora. É um texto narrativo clássico, com a situação inicial harmônica, introdução de um conflito que interfere nela, desenvolvimento e solução desse conflito. Para iniciar o estudo, pergunte aos alunos que sensações e impressões eles tiveram ao ler o conto: de medo, de leveza, de ternura, de alegria, de tempos antigos. Provavelmente eles dirão que a história passa a imagem de antiguidade, de leveza...
Diga a eles que essas impressões resultam de escolhas lingüísticas. Peça-lhes que observem essas opções no parágrafo inicial. Quais são os substantivos desse trecho? Ensine-os a percebê-los, bem como os seus caracterizadores. Que adjetivos ou expressões adjetivas estão relacionados aos substantivos? À medida que forem falando, escreva no quadro-negro. Faça-os observar que as escolhas remetem a imagens antigas: tempos distantes, amor cortês, reino medieval, grande castelo, por exemplo. Leveza, delicadeza, beleza e ternura vêm de frases como "belas damas faiscantes de jóias", "donzela formosa", "apaixonado adorador".
Passe em seguida para os tempos verbais. O primeiro parágrafo inicia-se com o pretérito perfeito do indicativo (foi). Já para os verbos seguintes foi escolhido o modo imperfeito do indicativo: era, erguiam, brilhavam, destacava, estava, desdenhava. Peça aos alunos que comparem o uso das formas de passado. Leve-os a perceber que o imperfeito dá idéia de algo que não se concluiu, que acontecia com freqüência. É o tempo verbal adequado para falar de ações que costumavam acontecer numa época remota. Pergunte por que esse tempo verbal foi escolhido. E o dos parágrafos seguintes? A predominância é do pretérito perfeito. Nesses trechos é contado o que aconteceu um dia à Cunegundes e Delorges. Trata-se, portanto, de algo já concluído.
A sensação de época antiga também está presente na linguagem do diálogo entre a donzela e o cavaleiro. Pergunte o que mais chama a atenção nessa linguagem. Provavelmente dirão que são as formas verbais da 2ª pessoa do plural (amais, viveis, provai-o, ganhastes), forma de tratamento atualmente em desuso. Enfatize que o uso de recursos como substantivos e adjetivos que remetem à época antiga, tempos verbais, o pronome "vós" e a própria ilustração são intencionais.
Hora de escrever
A seguir, proponha uma produção de texto que faça uso consciente e intencional dos recursos lingüísticos estudados com o conto A Luva. Peça que cada aluno escreva uma história que se passe nos dias de hoje, mas na qual as personagens tenham o mesmo comportamento da donzela e do cavaleiro. A escolha de substantivos, adjetivos e caracterizadores do substantivo, do tempo verbal, da forma de tratamento e da ilustração vai depender do efeito que cada um tentará produzir.
Embora seja elaborado para turmas de 3º e 4º ciclos, é possível adaptar esse trabalho para o início do Ensino Fundamental e para a Educação Infantil. A partir do título e das ilustrações, pergunte-lhes sobre o que deverá ser a história. A seguir, leia o texto. Converse sobre a época, as personagens, que opinião as crianças têm sobre a atitude da donzela; pergunte como reagiriam, se fossem o cavaleiro.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/luva-423406.shtml
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