A FOGUEIRA DE SÃO JOÃO | O ciclo de festas juninas, com sua diversidade cultural mantida pela tradição, fornece muitos elementos para a compreensão da sobrevivência de muitas práticas herdadas da colonização.O que hoje... | 17/06/2004 - 17:45 | O ciclo de festas juninas, com sua diversidade cultural mantida pela tradição, fornece muitos elementos para a compreensão da sobrevivência de muitas práticas herdadas da colonização.O que hoje parece brincadeira inocente, como a festa do mastro, principalmente em Capela, ou a queima de fogueiras, em todo o Estado, provém de uma origem antiga, pagã ou ligada a deuses pré cristãos, como Baal, fenício de Cartago, associado pelos gregos a Apolo, pelo seu caráter solar. A antiguidade da festa junina, com características assemelhadas no tempo, é um roteiro seguro para fixar, territorialmente, influências marcantes na formação da cultura brasileira, com seus valores simbólicos.
Na Inglaterra, na Escócia, na Irlanda são comuns os relatos, em várias épocas, principalmente nos textos do século XVIII, tratando dos vários modos de cultuar o fogo, cortar a lenha, armar as fogueiras e ordenar as manifestações populares em torno das labaredas ardentes. De nada pareceu valer a decisão tomada pelo Concílio de Constantinópolis, no ano 680 d.C., que dizia: “Ordenamos que cessem desde agora as fogueiras que são acesas por certas pessoas nas luas novas, diante de suas tendas e casas, sobre as quais também se salta ridícula e tontamente, por um certo e antigo costume. Quem desde agora faça tal coisa: se é um clérigo, será deposto; se é um leigo, será excomungado.”
Na Irlanda se fazia um festival principal em honra do sol e do fogo, no dia 21 de junho. Na Inglaterra a fogueira era queimada não apenas no São João, mais também no São Pedro. Por várias partes da Europa o Fogo de Baal, na véspera de São João, reunia costumes que estão, hoje, incorporados ao mosaico das manifestações culturais brasileiras, notadamente no Nordeste, onde há uma sobrevivência que consolidou múltiplas contribuições. A ligação da fogueira junina com o fogo de Baal tem toda uma correspondência que deve servir de roteiro a pesquisas mais profundas, cotejando hábitos e costumes, com suas variantes.
São velhas as teorias que relatam o descobrimento do Brasil pelos fenícios, 1100 anos antes de Pedro Álvares Cabral e que os testemunhos seriam, dentre outros, os fragmentos dos mitos e lendas, das inscrições rupestres, costumes, denominações de lugares, vestígios enfim de um parentesco histórico que, oficialmente, é ignorado. Um historiador libanês, Edmundo Bleibel, na História Geral do Líbano conta a história de Bar de Ilu, que fugindo da Fenícia vem para o Brasil e aqui governa um exército de mulheres guerreiras – as amazonas – até retornar e retomar o controle do seu País. O mito das Amazonas, que aparece em Heródoto e outros autores , alimentou o imaginário do novo mundo, pelo registro de viajantes, aventureiros e cientistas, na região que tomou o nome de amazônia.
O sábio austríaco Luduvico Schevenhagen, de Viena, viveu no norte do Brasil, andou por vários Estados, visitou Sergipe e aqui fez duas conferências, em dezembro de 1925 e em janeiro de 1926, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, tratando daquilo que considerava evidências da sua teoria do descobrimento fenício, e da colonização, associada, por fenícios e egípcios, do vale do São Francisco e de vários pontos da costa atlântica nordestina. O cientista publicou, no Piauí, em 1928, o primeiro volume de seu livro História Antiga do Brasil, deixando inédito e perdido o segundo volume, o que tratava das suas pesquisas e observações em Sergipe. Toda vez que traços da antiguidade afloram, nos guardados do povo, aumenta a importância de pesquisas, sem preconceitos, sobre a formação e a história cultural dos brasileiros.
Os festejos juninos, hoje produto turístico, guardam muitas tradições. A partir de 1995 a Secretaria da Cultura do Estado, associada a Fundação Joaquim Nabuco, promoveu em Sergipe o projeto CumpliCidades, com intercâmbio de grupos portugueses e espanhóis aqui, e grupos sergipanos e nordestinos em Portugal e Espanha. Um dos grupos, o Guirigai, da Espanha, realizou com artistas locais um novo projeto, de identificação da influência ibérica no ciclo junino sergipano. A pesquisa e a preparação de atores levou à montagem de um espetáculo, denominado de Ópera do Milho, reunindo os elementos presentes na quadrilha, nos arraiais e nos cenários da festa junina. A gravidez de uma moça, que o rapaz não assume, a revolta do pai da moça, as crenças e simpatias, os pedidos aos três santos do ciclo, formam o argumento central do espetáculo, que durante quatro anos realizou, com todo sucesso, quatro temporadas, na casa de espetáculos O Gonzagão. Há, assim, como cotejar o farto material que as oralidades guardam entre nós, de várias procedências.
O ciclo junino, com o corte e imposição do mastro, o batismo das fogueiras, as comidas de milho e coco, principalmente, as crendices para casamento, a queima de fogos, a universalização, em frente das casas, de fogueiras de vários formatos, desafia a curiosidade, sugerindo a pesquisa e a interpretação dos fatos, como a relação que eles possam ter com o culto ao sol e ao fogo, do deus Baal da Fenícia, do qual a queima da fogueira é o apogeu. E mais, a sarandagem, para o pau de sebo, também conhecido como pau da cocanha, alusão à fartura para todos, ou ainda a tradição que faz da fogueira um elemento de comunicação entre as primas Isabel, mãe de João Batista, e Maria, mãe de Jesus.
Na repetição dos atos da festa, que desde o final de maio vem acontecendo em Sergipe, crianças, jovens e adultos repetem, sem consciência, gestos cheios de símbolos, e de vínculos que expressam valores e condutas que o tempo tem ocultado. Não é sem razão, enfim, que as festas juninas têm sobrevivido íntegras no Nordeste brasileiro, como um bem dos mais importantes e antigos.
Permitida a reprodução desde que citada a fonte "Pesquise - Pesquisa de Sergipe / InfoNet" Fonte: http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=23563&titulo=Luis_Antonio_Barreto
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